12.6.06

"Dia(s)" "da(s)" "Namorada(s)"

Queridas,

Hoje venho por esta fazer um Ode a esse dia tão confuso, paradoxal, complicado, instável... Entõen, por isso mesmo. Que dia melhor para ser o dia do mulher-com-mulher?

Viva. Urra.

Tem um pouco de tudo, como novela. Vejamos:

1)Drama:

Esse dia é a materialização institucionalizada daquela pressão social ancestral para o acasalamento monogâmico, definitivo e estável. Principalmente se você é mulher, não é mesmo? (amigas MTF, estou incluindo-as aqui. Força no colágeno, queridas.)

Oh! Que coisa! Será que serei uma mulher completa, me completando em outra? Afinal, nada melhor que uma mulher para completar algumas outras, ao contrário do que pensa o senso comum. Pense comigo: se você tem meia laranja ou, no caso, uma laranja que acha que é meia, enfim, você vai completar com uma banana? Até podia, mas não é esse o ponto.

O drama de ser “mal-amada”. Eu, pessoalmente, acho que uma mulher sozinha se considerar mal-amada é uma contradição em termos. A não ser que ela seja muito desastrada com o chuveirinho.

Encalhação: todas nós sabemos que isso tudo é sexismo e insegurança. Que é resquício dos tempos em que uma mulher sem marido não conseguia caçar mamutes suficientes para alimentar todos os filhos dos cretinos dos ex-maridos. Mas ainda assim, tem momentos em que a gente esquece tudo isso, chora, escuta Smiths e come um pote inteiro de sorvete vendo One Fine Day.

2) Antropologia feminista:

Afinal, se o tal deus existe, além de negligente e muito sacana, ele é machista: pensa só no hímen. Pra quê serve o hímen? Tá certo, muita coisa não serve para nada, tipo o apêndice, que só serve para supurar, dar apendicite e você ter uma das dores mais filhas da puta que há. Tudo bem. Mas seu apêndice não serve como materializador de um controle-barra-opressão sexual, minha querida. Seu hímen sim. Quero dizer: se o tal deus existe, ele fez o homem maior, mais forte, mais propenso à violência e menos capaz de processar a linguagem emocional alheia. Daí, "Ah! que boa idéia! Vou colocar um lacre sexual nas mulheres! Vai ser tão bacana!"

3) Suspense (traduzindo para mulheres, insegurança):
Se você tem uma namorada, ou seja, se está vendo uma menina há mais de dois dias, ou se já estão casadas, depois do longo e tenebroso inverno de esperar um mês para acertar as contas e conseguirem ir morar juntas, esse é um momento de muito suspense.

Será que ela vai lembrar? (isso porque, mesmo com todo o marketing do dia, você mandou colocar um outdoor piscante em frente à janela dela, só para garantir).
Será que ela não te ama mais e vai te dar um par de meias? Ou pior: será que ela vai comprar um presente melhor que o seu e então ela vai ficar achando que você não a ama mais?

Se você não tem namorada, esse também é um dia de muito suspense, porque você sempre acredita piamente que até o final do dia você vai conseguir reatar com a ex, ou então encontrar o amor da sua vida, a tempo de achar as lojas abertas e ainda em promoção.

4) Questão social:
Sua mente vira o Congresso Nacional e se divide em milhares de partidos com opiniões ligeiramente diferentes e ligeiramente parecidas, todos argumentando ao mesmo tempo. Você sabe que essa é uma data artificial, forjada por interesses das elites. Mas você também sabe que absolutamente toda data é artificial e forjada pelo interesse. Você sabe que tudo isso foi criado para explorar a insegurança natural humana de estar sozinho consigo mesmo no mundo, no fundo de tudo. Mas você também sabe que datas como essas movimentam e estimulam uma economia subdesenvolvida e inchada, que só pode mesmo sobreviver com base na ficção. No fim de tudo, você já está tão exausta de debates existenciais internos que nem lembra mais de nada; pensa na sua namorada uma última vez antes de entrar no shopping e aí...

5) TERROR! (“Aaaah!” Tan taaan! Violoncelos.)
Que diabos você vai comprar para ela? Não importa quanto dinheiro você tenha, nunca é suficiente. A questão é que se você comprar uma vila na costa do mediterrâneo talvez ela não perceba o quanto seu presente é menos do que ela merece. Mas, se você é uma duranga que guarda o troco do ônibus com todo o cuidado, tem que compensar isso com outro valor socialmente aceito como cambiável: tempo. Faça como as escolas de samba do passado: passe um ano inteiro juntando coisas como papel alumínio dos maços de cigarro antigos para fazer um enorme carro alegórico em forma de coração prateado, com uns espinhos enfiados, tendo entalhados trechos de letras de MPB e de músicas emo de bandas inglesas em vermelho-sangue.

6) Romance;
Sim, até existe romance. Depois que vocês chegam do restaurante lotado em que nem mesmo puderam ficar de mãos dadas porque tinha velhinhos sentados bem do lado, as 999 margaridas amarelas que você comprou já estão meio murchas, porque como está chovendo cântaros, você teve que fechar todas as janelas e ficou meio abafado para as 999 margaridas na sala de estar. Ela sorri e, mesmo lendo nos olhos dela que ela está pensando mesmo é em como vai dar trabalho varrer as pétalas mortas de 999 margaridas amarelas, você vê que ela está fazendo um esforço para esquecer o estresse de trabalhar o dia inteiro convivendo com perguntinhas sobre um tal de “namorado” (sic), pegar trânsito, esperar uma hora na fila do restaurante, a comida vir fria e meio mal feita, mais trânsito para voltar para casa... Ainda assim, ela ainda sorri o sorriso mais lindo do mundo, te olha com aqueles olhos amanteigados e, de repente, tudo faz click. Esse mundo porco, a morte inefável, a podre natureza humana, a arrogância e a negação dos podres ao olhar os outros podres, tudo isso se desfaz e toda a existência vira duas fatias de pão caseiro quentinho com queijo branco e orégano, chocolate quente, doce de leite de colher e pantufas aquecidas.

7) Aventura:
Você sabe tudo isso de cor e salteado. A sua namoradesposa é a mulher da sua vida, nada pode se comparar à segurança que vocês construíram, beleza é uma coisa fútil e muito relativa, nada vale a pena de quebrar o coraçãozinho dela e vê-la chorando, fazendo biquinho...

Mas não adianta. Sempre acontece alguma coisa – ou melhor, sempre quase-acontece alguma coisa, ou melhor, sempre não-acontece alguma coisa – e você fica se sentindo a pior das pessoas. Culpaaaa. Culpaaaa. Culpaaaa.

Carrilhão de abacaxi toca de hora em hora: cul-paaaa. Cul-paaaa. Cul-paaaa.

Não importa se ela nem estava por perto quando você olhou para o sorriso lindo daquela mulher no metrô um instante mais longamente do que seria normal. Não importa se a relação com a sua ex está definitivamente resolvida, conforme você vive repetindo: se você passar pelo diabo da tal ex na rua e pensar “nossa, como ela está bonita”, pronto. Nada mais importa. É como uma acusação de bruxaria: nada mais limpa seu nome no SPC. Culpaaa.

Nessas horas os caras se dão melhor: não sentem tanta culpa. E se sentem, foi porque comeram mesmo. Agora, com a gente, é sempre assim: nem comemos e já ficamos achando que estamos com a boca suja. Por quê? Culpaaa.

Enfim. Como eu disse, esss dia é mega complicado e confuso. Viram?

Um beijão no coração prateado com espinhos de vocês, sejam felizes e tristes, empolgadas e melancólicas, engraçadas e mau-humoradas, tudo ao mesmo tempo. Porque é assim que somos. E é isso que amamos.

Tenho dildo,

Carmen