5.2.07

Coisas De Abacaxi – poderes mutantes

(Poderes mutantes que nós, mulheres que hiperlinkam ainda mais que o hiperlinking anormal feminino, corremos o risco de ter, um belo dia, quando o esqueleto pescoçudo de Lamark rirá por último e dará um pedala no fóssil de Darwin.)

Desde ontem ando vivendo uma espécie subdesenvolvida do cruzamento de Kafka com X-men.

Acordei ensopada (não, quem me dera tivesse sido) de uma noite quente e abafada. As pessoas não assinam o protocolo de Kioto e o Rio de Janeiro vira Manaus sem a chuva, ou seja, uma versão úmida de Brasília. Só quem já se sentiu soterrada no ar é que sabe o que vem a ser calor úmido sem vento.

Talvez tenha sido porque o sol já há horas batia na sala, o que tornava o ventilador uma turbina de ar escaldante. (Quase tão biologicamente deseperador quanto homem bêbado dando em cima de você, sabe?)

Talvez tenha sido porque dormi do lado do celular e aqueles spams apocalípticos sobre a radiação maligna do aparelinho do demônio tinham um pouquinho de razão: o celular emite radiações gamo-rei cósmicas que, em uma atmosfera carregada de moléculas de água - O Condutor Universal - e metais pesados, causam mutações nas pessoas .

(e no Canal Republicano de Ação Educativa está passando O Condutor Universal: aparece o Van Damme vestido de H2O, chutando várias bolas de festa ao seu redor)

Enfim. Fato é que em vez de gene X, eu tinha um gene K, de Kafka, que ia me fazer acordar tosco-mutante quando eu dormisse numa noite quente ao lado do celular. Só que minha mutação é uma versão pobre e meio paraguaia do que seria um filhote do Ciclope com a Jean Gray.

Ai, ai, essa minha androginia existencial dá um trabalho, viu, te contar... Não me dá um descanso.

Voltando: levantei, sentei no sofá e um dos gatos estava pentelhando o outro, que só queria dormir, como convém aos gatos. Olhando aquela cena, meu senso de justiça ficou logo ofendido e ouriçado. Briguei com o gato “Ai, ai, ai, Moshe, que feio! Pare já de implicar, senão você vai se dar mal.”.

Como o meu gato finge que não entende as coisas que eu digo, continuou sua tarefa quase-canina de perturbar o outro - sim, porque Moshe acha que é um cão. Mas o importante é que nesse momento um saco plástico vem voando da mesa e aterrissa bem em cima do gato-cão, juro, prendendo-o (inofensivamente, Greenpeace!) e entretendo-o ao mesmo tempo.

Depois, ao tomar banho, o xampu respondeu às preces da noite anterior, quando tinha acabado, e se multiplicou como o óleo do Templo ou os peixes de Jesus. Minha camisa sumida reapareceu bem a calhar, um sujeito que cuspiu na calçada bem na minha frente tropeçou na hora de cuspir pela segunda vez e escarrou de leve na própria camisa, encontrei a máquina de chocolates com 40 centavos de crédito, justo o suficiente para comprar mais um saquinho de jujubas, minha namorada resmungando tropeça e ri, meu chefe resolve me dar um livro que eu precisava deveras de presente... Comecei a curtir meus poderes.

Quando já estava tão empolgada que ia começar a me imaginar morando com as personagens de “Dikes to watch out for” (aguardem um post próximo), aconteceu uma coisa horrível: tirei os óculos.

Como o Ciclope, meu poder se descontrola sem meus óculos, aparentemente. Claro que eu não podia saber isso logo no primeiro dia, mas os universos (o nosso, D.C., Marvel etc) não perdoam quem não tem culpa.

Ao tirar os óculos, até brinquei: “só falta esquecê-los aqui na sua cômoda, meu amor!” Ah. Como diria o Capote, “more tears are shed over answered prayers than unanswered ones”.

Lógico que, como resultado do meu poder bacana, esqueci os óculos mesmo, o que iniciou um evil-poder, entenderam?

Ai, meninas. Nem conto.

To indo pro trabalho, atrasada, lógico, porque ‘acordei’ e desliguei o despertador (seu id querer dormir é um problema, quando se tem evil wishful thinking), atravesso a rua pensando pro carro “vai logo, ô lesma!”e escuto um barulho estranho, meio parecido com um saco estourando. Quando eu olho, o carro que acabou de passar tinha atropelado um pombo e o bichinho, ai, pelo amor da(s) divindade(s) de sua preferência, ainda estava meio que se mexendo. Nesse dia eu ainda vi um filhote de gatinho e um outro pombo mortos, sendo que eu não trabalho na SUIPA, nem em clínica veterinária, nem em pet cemetery, nem em Shernobyll.

Pensando com o superego que eu não devia nunca deixar nada pro último dia, perdi o prazo da conta porque (i) a primeira agência estava TODA fora do ar e (ii) o caixa eletrônico do supermercado não lia de jeito nenhum o código de barras, no que batem as nove badaladas e a operação não pode mais ser realizada para a data.

Lógico que meu computador do trabalho também apagou quando eu pensei “ai, que saco, odeio trabalhar sem óculos, dá uma doooor de cabeça...” bem quando eu estava preparando a aula e a prova de dali a pouco.

Depois de me desencontrar da namorada, consegui chegar à casa dela sem maiores percalços através de uma técnica budista de cantar mantras para limpar a mente. Lá chegando, briguei com a patroa, adivinhem por quê?

Ê, minha gente. Quipiriiiigo. To indo dormir do lado do celular pra ver se reverte.

Vamos estar dormindo de óculos,

Carmen