20.6.06

Piloto da Novela - Carolina, Nome de Menina (Sugiram títulos melhores, svp)

Carolina é uma menina, ou ao menos assim dizem, de classe média baixa que mora num desses bairros longínquos do centro do universo, ou seja, da zona sul do Rio de Janeiro. Estudante de direito, parte por ignorância, parte por masoquismo, nessa cena a vemos chegar em casa para o jantar. Ao lado da mesa está sua avó, arrumando os pratos duralex cor de açucar caramelado e os hediondos copos de plástico, que com o tempo ficam com gosto de plâncton. Sua mãe resmunga alto na cozinha. Pode-se ouvir ao fundo o apresentador perenemente indignado de um programa de tv pseudo-criminalista.

A avó corre para a porta:

_Oi, minha neta! Eu já estava ficando preocupada, você demorou taaaanto!!
_Quê? Mas eu cheguei cedo hoje, vó...
_Eu já tinha rezado para Santa Margarida, colocado Santo Antônio de cabeça para baixo, pregado o cartãozinho de Santo Expedito com um alfinete de prata atrás da porta do banheiro, amarrado uma fitinha vermelha com listras douradas em volta de um palito de canela coberto com açúcar e raspas de laranja, chupado sete sementes de cupuaçu-umbú e cuspido tudo em um lenço com a imagem de São Jorge bordada em ponto cruz e...
_Ta bom, vó! Ew, nossa! Chega, caramba. Vou tirar os sapatos...
_NÃO! Não faça isso! Não tire os sapatos aqui! Atrai desgraça tirar os sapatos aqui!
_Mas onde eu que vou tirar, então, cacilda béquer?
_No terceiro andar.
_No terceiro andar?!?! E depois eu volto como? Descalça?
_Sim, exatamente. Mas não use o elevador, porque a senhora do quarto andar vomitou nele novamente, tadinha. É a "quimicoterapia" que ela faz, porque ela teve câncer no reto e a bolsinha que ela carrega...
_Ta bom! Táááá! Eu vou! Pãtz...

Carolina desce até o terceiro andar com seu andar dez para as duas e as mãos nos bolsos. Chega, suspira, agacha e começa a desamarrar as chuteiras, digo, os tênis. Enquanto está tirando os sapatos, um vizinho abre a porta e fica observando a cena. Ele diz:

_Mas menina! Você também deu para embirutar, foi? Uma menina que faz direito, vai à faculdade... Depois quer vir falar na reunião de condomínio que a gente tem que pagar essa tal de taxa de seguro contra incêndio! Que biruta!
_Não, não, peraí, eu não acredito nessas coisas não! E tem que pagar a taxa sim!
_Ah, não acredita não? Então por que que desceu trocentos degraus de escada para tirar o sapato no meu corredor e depois ter que subir tudo de novo?
_Ai, é que a minha vó estava me deixando louca com todo aquele falatório de santo e simpatia... E ela não escuta quando você está gritando pelo amor do deus dela para ela parar! Aí eu pensei “bem, whadahell, vou descer as escadas...” (olha sem graça para o vizinho) Bom, acho melhor eu subir pro meu andar agora.
_Faz bem, menina. Humm... você é uma menina, não é?
_Quê?!?
_É que você se chama Carolina, tudo bem, mas tem esses cabelos tão curtinhos... E usa essas roupas meio... assim...
_Olha aqui, seu Carvalho, eu acho bom o senhor ir para o c...
_CAROLINAAAAAAAAAA! (berro da avó, trocentos andares acima, ecoando e balançando as estruturas do prédio, fazendo cair lasquinhas de tinta)

Nossa personagem principal suspira profundamente e sobe as escadas. Calçada, é bom esclarecer. A avó continua berrando seu nome, gerando ondas de sete graus na escala Richter e causando abalos irreversíveis na estrutura do edifício. Lá pelo quinto andar, Carolina desiste de responder, ou de alguma outra forma fazer a avó parar de mover as placas tectônicas com as cordas vocais. No trocentésimo-menos-um andar ela tira os sapatos. Sobe o último lance de escadas e encara a avó com um olhar pérfuro-contundente. Mas a avó tem catarata na vista esquerda e só discerne silhuetas, então a abraça e beija, babadamente, porém com um carinho irresistivel.

Então ela alcança, pela segunda vez, diga-se de passagem, a porta de casa e entra.