14.7.06

Alfredo é Gisele

(Elisa Lucinda)

Sora vê, daqui do táxi a gente sabe é cada coisa... Sabe e aprende,
aprende até a não ter preconceito. Eu vou dizer cada um tem o seu
segredo, tem seu cada qual. Nem que seja uma coisica de nada, no fundo
todo mundo sabe que la dentro tem uma verdade só dele que as vezes nem
ele mesmo sabe.

Outro dia peguei um casal assim já de meia idade, bem apessoado, lá no
Centro, eles tinham ido vê uma tal de uma Ópera, sei lá. Já eram umas
11 e meia da noite, a gente veio bem até o Aterro, entramos em
Botafogo e o trânsito emperrou. A mulher já azedou na hora e foi
falando para o marido: - Que trânsito é esse, quase meia noite? Não é
esquisito, Alfredo?

E o tal do Alfredo parecia um homem rico, mas não era fino, sabe? E
também não gostava dela não. O cara era uma múmia. A resposta dele
pras conversas da mulher tavam mais pra rosnado, sabe?

- Alfredo, isso não é um absurdo? A gente aqui parado num trânsito
quase de madrugada, não entendo, é estranho, hoje é sábado. Será que é
algum acidente, Alfredo?

Como o homem não dizia nada, eu acabei dando o meu pitaco: - Madame
simplesmente aqui, da licença, virou um lugar só de "homensexuais". É
cheio de barzinho deles, a rua toda. Fim de semana ferve. Quem quiser
ver homem beijando homem e mulher beijando mulher se esfregando um no
outro, é aqui mesmo.

- Você tá ouvindo, Alfredo? Meu Deus, eles agora tem até bar pra eles,
até rua!? Não é um absurdo, Alfredo?

- Ô Onça, cê me conhece, sabe bem como é que eu sou. Pra mim isso se
resolve é na porrada. Se eu sou o pai, eu desço do carro e não quero
nem saber o que é que entortou, o que é que virou, não quero saber o
que é cu e o que é fechadura, baixo o sarrafo na cambada! Eu, com sem
ergonhisse, o sangue sobe, eu viro bicho.

Que isto Alfredo pára de falar essas palavras de baixo calão, Alfredo
é muito esquentado né motorista?

Eu dei o meu pitaco: - Oh madame, o negócio que ele tá falando é que
nem que eu vi lá no filme é uma metáfora. Ele não vai bater, vai só
ficar zangado.

- E o senhor sabe lá o que é metáfora? Fica aqui metendo o bedelho na
nossa conversa aqui atras.

- Eu sei o que é metáfora sim! Pelo que eu entendi é assim: aquilo não
é aquilo, mas é como se fosse aquilo. Então, em vez da gente dizer que
aquilo é como se fosse aquilo, a gente diz que aquilo é aquilo. Mas
não é. É como se fosse. Entendeu?

- Eu entendi, mas eu to chocada com essa libertinagem. Olha aquele
homem... Alfredo, beijando outro homem, de bigode ainda, Alfredo! Olha
Alfredo!

- E hoje tá até fraco. Eu falei. Hoje nem tem os "general"?

- Que general?

- General é aquelas mulheres de coturno que parece meio assim um
macho. E o outro tipo de general é aquele homem transformista que é a
traveca, mas anda é na gillete mesmo.

- Tá ouvindo, Alfredo? A decadência como estão?

- E a gente vai ter que ficar parado nesta merda, ô Coisa?

- Calma Alfredo, não fica nervoso! Isso é questão do nível das
pessoas. A gente que tem... não é motorista? ... A gente tem um nivel,
a gente tem mais condições, temos que entender essa, essa, como é que
eu digo, meu Deus?

- Putaria!

Falamos juntos, eu, ela e o tal do seu Alfredo.



- Cruzes Alfredo, olha aquela moça! Gente, uma menina, dezoito no
máximo, e a outra maiorzuda no meio das pernas da coitadinha, fazendo
sabe lá o quê! Tá vendo Alfredo aquela alí? Alí, aquela Alfredo, em
cima do carro! Olha lá Alfredo, a mão da grandona na menina! Elas vão
se beijar na boca, minha Nossa Senhora...

- Que transitozinho, hein jararaca? A gente não vem aqui em Botafogo
nunca mais, tá ouvindo ô coisa!

- Mas Alfredo olha as duas meninas! Tá beijando, tá beijando, tá
beijando Alfredo! Alfredo! Alfredo! Alfredo! Ela parece... Alfredo é
Gisele! Alfredo! Nossa filha!?

- Filha da puuuutaaa...

E desmaiou, o tal doutor me desmaiou, enquanto a jararaca da mulé saiu
porta afora de sapato na mão atrás das duas e eu pensando: não quero
nem saber, vou encostar o carro aqui mesmo e espero o resolver, que
uma
corrida dessa eu não vou perder, que eu não sou bobo e nem sou rico. É
ruim de eu ir embora, heim?

Ai eu fiquei naquela situação: eu com um cara que era um ex-valente
todo desmaiado no banco de trás parecendo uma moça, a mulé pisando
forte que nem um um macho, um general, indo atrás da filha, quer
dizer, tudo trocado e eles reclamando da filha. Se eu pudesse, eu ia
lá defender a moça, mas não posso, já que o negócio é de família, né?

Eu não tenho preconceito não, mas é isso que eu tava falando pra
senhora: daqui a gente sabe cada coisa! Mas é cada um com o seu cada
qual.

1 Comments:

Anonymous Anônimo se meteu e disse...

mto bom...
elisa lucinda é foda, pressionante a mão dela pra conduzir uma prosa.. adoiro.

bgada por compartilhar.!

7:38 PM  

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