70 virgens - terceira parte.
Essa aeromoça é mesmo uma uva. Mas, como tudo na vida é passageiro, menos trocador e motorista, a aeromoça-uva passa.
As mulheres se vão, fica só o vazio... E a mão suada. Tentando o máximo que pode não tirar a mão muito rápido, você dá um sorriso que só é menos amarelo que os dedos do sujeito e vai escorregando para o lado. A mão, apesar de suada, devia ter uma superfície sobrenaturalmente áspera, porque escapar do tal ato de “solidariedade” se provou muitíssimo difícil. Valeu pela esfoliação ma-ga-vi-lho-sa que a amiga meio perua da sua ex nunca conseguiu te convencer a fazer.
As luzes do avião piscam. A voz do piloto se junta às das outras pessoas, todas no mesmo idioma absolutamente irreconhecível. Sem respirar, de olhos fechados, com as mãos entre as coxas, para evitar uma reincidência do motoqueiro cowboy – você percebe que ele usava um chapéu country combinando com o resto, ou seja, feio e meio amarelado. Um tempo incomensuravelmente grande se passa, quase tanto tempo quanto sua mãe gasta comprando cortinas. Você força a memória para cantar 3 vezes “Faroeste Caboclo”, até o solavanco monstruoso que indicou o pouso. Se é que a asa direita arrastando no chão e soltando fagulhas dignas do ano novo em Copacabana poderia caracterizar aquilo como um pouso.
Você desce cambaleante do avião por uma escada que balança e range mais que o próprio avião, enquanto luzes vermelhas piscam ao seu redor. Não há qualquer mala à vista. Você começa a tatear os bolsos em busca do tíquete de bagagem. Nah. Absolutamente nada nos bolsos. Nada, nem um papel de bala, nem mesmo os onipresentes comprovantes de débito automático. Seu coração já não bate, mas rebomba furiosamente, como que querendo se livrar do resto de você e fugir correndo dali. Um lugar desconhecido, sem bagagens, sem documentos, sem falar ou mesmo reconhecer a língua local.
Evidentemente, um pesadelo, concordam o soviete supremo das lésbicas feministas trotskistas e o Imperador Ratzinger Palpatine.
Te ocorre observar a polícia, para verificar se não é mais prudente acionar a máfia local.
Depois de alguns minutos passeando a esmo pelo aeroporto, descobres o cawboy-motoqueiro bem ao seu lado, agora com um adendo de mortadela a seu já extraordinário conjunto de fragrâncias. Você estala a mão na cara e respira fundo quando ele se aproxima sorrindo, com duas malas enormes, e você pode ver nitidamente um pedaço grotesco de mortadela preso entre a gengiva de cor acinzentada e o dente de ouro.
Você disfarça por alguns instantes, em desespero, tateia o bolso em busca do celular, tenta achar o banheiro feminino, mas logo percebe que o sujeito está esperando que você faça alguma coisa, parado na sua frente olhando para você. Como último recurso desesperado, você pisca repetidas vezes – quem sabe isso tudo ainda é um anúncio horrível de brincos de diamante?
Por fim, impaciente, põe as mãos na cintura e pergunta, desaforadamente: “Qual é, mermão?” (nessas horas, o sotaque eclode, tão invencível e inevitável quanto pensamentos pornográficos em reuniões de comitê, ou o carnaval.)
O cara parece achar que você disse uma coisa muito simpática, porque se apressa em pegar as malas e ir te encaminhando para um grande carro preto e cheio de arestas, como os carros pretos de antigamente, quadrado e simples, que cagavam solenemente para a aerodinâmica. Te ocorre que carros pretos de pontas quadradas são coisas que combinam muito com brincos de diamantes, colares de pérola e esse tipo de coisa, o que te faz suspeitar que ainda está presa em uma versão Twilight Zone de um anúncio da H. Stern. Você divaga enquanto caminha e consolida a opinião de que um cadilac azul e branco definitivamente combinaria melhor com o cowboy-motoqueiro. O sujeito joga a bagagem no porta-malas e você não consegue evitar o pensamento de que cabem duas de você, inteiras e amordaçadas, ali. Já se a gente cortar em pedaços, caberiam muito mais...
Um arrepio nasce na sua nuca e escorre pelas costas. O sujeito sorri mais uma vez, a mortadela deve ser brasileira porque não desiste nunca e ainda está lá. Ele abre a porta de trás, muito cortesmente, inclinando-se. Você hesita, a cabeça lateja e a desconfiança encharca as costas da sua blusa com suor.
(Música de suspense. O plano de câmera fecha na sua cara tensa. Será que você vai virar mortadela? Não percam a calma, nem os próximos episódios.)
As mulheres se vão, fica só o vazio... E a mão suada. Tentando o máximo que pode não tirar a mão muito rápido, você dá um sorriso que só é menos amarelo que os dedos do sujeito e vai escorregando para o lado. A mão, apesar de suada, devia ter uma superfície sobrenaturalmente áspera, porque escapar do tal ato de “solidariedade” se provou muitíssimo difícil. Valeu pela esfoliação ma-ga-vi-lho-sa que a amiga meio perua da sua ex nunca conseguiu te convencer a fazer.
As luzes do avião piscam. A voz do piloto se junta às das outras pessoas, todas no mesmo idioma absolutamente irreconhecível. Sem respirar, de olhos fechados, com as mãos entre as coxas, para evitar uma reincidência do motoqueiro cowboy – você percebe que ele usava um chapéu country combinando com o resto, ou seja, feio e meio amarelado. Um tempo incomensuravelmente grande se passa, quase tanto tempo quanto sua mãe gasta comprando cortinas. Você força a memória para cantar 3 vezes “Faroeste Caboclo”, até o solavanco monstruoso que indicou o pouso. Se é que a asa direita arrastando no chão e soltando fagulhas dignas do ano novo em Copacabana poderia caracterizar aquilo como um pouso.
Você desce cambaleante do avião por uma escada que balança e range mais que o próprio avião, enquanto luzes vermelhas piscam ao seu redor. Não há qualquer mala à vista. Você começa a tatear os bolsos em busca do tíquete de bagagem. Nah. Absolutamente nada nos bolsos. Nada, nem um papel de bala, nem mesmo os onipresentes comprovantes de débito automático. Seu coração já não bate, mas rebomba furiosamente, como que querendo se livrar do resto de você e fugir correndo dali. Um lugar desconhecido, sem bagagens, sem documentos, sem falar ou mesmo reconhecer a língua local.
Evidentemente, um pesadelo, concordam o soviete supremo das lésbicas feministas trotskistas e o Imperador Ratzinger Palpatine.
Te ocorre observar a polícia, para verificar se não é mais prudente acionar a máfia local.
Depois de alguns minutos passeando a esmo pelo aeroporto, descobres o cawboy-motoqueiro bem ao seu lado, agora com um adendo de mortadela a seu já extraordinário conjunto de fragrâncias. Você estala a mão na cara e respira fundo quando ele se aproxima sorrindo, com duas malas enormes, e você pode ver nitidamente um pedaço grotesco de mortadela preso entre a gengiva de cor acinzentada e o dente de ouro.
Você disfarça por alguns instantes, em desespero, tateia o bolso em busca do celular, tenta achar o banheiro feminino, mas logo percebe que o sujeito está esperando que você faça alguma coisa, parado na sua frente olhando para você. Como último recurso desesperado, você pisca repetidas vezes – quem sabe isso tudo ainda é um anúncio horrível de brincos de diamante?
Por fim, impaciente, põe as mãos na cintura e pergunta, desaforadamente: “Qual é, mermão?” (nessas horas, o sotaque eclode, tão invencível e inevitável quanto pensamentos pornográficos em reuniões de comitê, ou o carnaval.)
O cara parece achar que você disse uma coisa muito simpática, porque se apressa em pegar as malas e ir te encaminhando para um grande carro preto e cheio de arestas, como os carros pretos de antigamente, quadrado e simples, que cagavam solenemente para a aerodinâmica. Te ocorre que carros pretos de pontas quadradas são coisas que combinam muito com brincos de diamantes, colares de pérola e esse tipo de coisa, o que te faz suspeitar que ainda está presa em uma versão Twilight Zone de um anúncio da H. Stern. Você divaga enquanto caminha e consolida a opinião de que um cadilac azul e branco definitivamente combinaria melhor com o cowboy-motoqueiro. O sujeito joga a bagagem no porta-malas e você não consegue evitar o pensamento de que cabem duas de você, inteiras e amordaçadas, ali. Já se a gente cortar em pedaços, caberiam muito mais...
Um arrepio nasce na sua nuca e escorre pelas costas. O sujeito sorri mais uma vez, a mortadela deve ser brasileira porque não desiste nunca e ainda está lá. Ele abre a porta de trás, muito cortesmente, inclinando-se. Você hesita, a cabeça lateja e a desconfiança encharca as costas da sua blusa com suor.
(Música de suspense. O plano de câmera fecha na sua cara tensa. Será que você vai virar mortadela? Não percam a calma, nem os próximos episódios.)
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